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sábado, 3 de setembro de 2011

O rosto da classe dirigente




Em 1921, George Grosz* editou um álbum de desenhos políticos a que chamou “Das gesicht der Herrschenden Klasse” (o que, como já devem ter topado, quer dizer qualquer coisa como “O rosto da classe dirigente”). Nesses 55 desenhos, Grosz retratava o hediondo rosto da classe dirigente da República de Weimar na crise de todos os valores que se seguiu à derrota da Alemanha na primeira guerra.
Contudo, alguns anos antes da Guerra, já ele tinha planos para uma obra muito mais abrangente e ambiciosa (em três volumes), que infelizmente nunca concretizou. Grosz acreditava sinceramente que os alemães eram um dos povos mais repugnantes do mundo e propunha-se retratá-los; essa obra, “Sobre a Fealdade dos alemães” seria sobre a tendência destes assumirem, mal a breve juventude desabrochava, formas e feições fisionómicas vulgares e agressivas, correspondentes às suas respectivas abjecções morais. Grosz via a coisa com mais interesse científico do que propriamente artístico: -“Sabe-se lá porquê, mas quando observamos as coisas e as pessoas de muito perto, elas começam a parecer-nos gastas, feias, e muitas vezes dotadas de uma ambiguidade sem sentido” dizia ele.
. -Mas eu não precisaria de um álbum inteiro para retratar o rosto da classe dirigente portuguesa. Um simples desenho bastaria. Um com os traços de Ângelo Correia, por exemplo.

-Sim, quem melhor do que este político e empresário de sucesso (chegou a ser administrador da Figueira Paraindústria, vejam bem) e um dos vinte “portugueses mais influentes”, poderia emprestar os seus traços ao rosto da classe dirigente lusitana?
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-Ah, e também não necessitaria de três volumes de desenhos para retratar a fealdade dos portugueses (não que eu seja mais dotado do que o genial Grosz; os portugueses é que são, helas, mais elementares do que os alemães); o estudo atento - mais científico do que artístico - dos traços do “mentor” do actual primeiro-ministro bastaria para a revelar.
Sim, porque se repararem bem (de mais perto), o rosto da classe dirigente portuguesa é, sem tirar nem pôr, o reflexo invertido (na vertical) da classe portuguesa dirigida. Vejam bem. A cara de um é o focinho do outro. E vice-versa.
Depois, não estranhem que tudo vos pareça dotado de uma “ambiguidade sem sentido”.
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*George Grosz foi um dos mais notáveis artistas alemães do século vinte. Pintor, escritor e caricaturista, integrou o grupo dada de Berlim e durante os anos vinte (entre as guerras) transformou-se no mais impiedoso e odiado detractor da burguesia alemã, do militarismo e da estupidez em geral. Os seus desenhos políticos, satíricos e jocosos, eram publicados nos jornais da época ou em álbuns, edições de autor. O seu traço firme e incisivo impregnou-os de um humor feroz, ácido e corrosivo que lhe valeu vários processos judiciais e outras tantas condenações por “ofensas à moral pública”, “blasfémia”, “conspurcar os valores do povo alemão”, “difamação”, “incitamento ao ódio de classe”, “pornografia”, “atentado ao pudor”, etc..
Foi dos primeiros a avisar para o perigo do nazismo. Em 1933, cansou-se de ser ignorado (ou processado) e desistiu. “Tinha combatido e perdido”. Foi para a América ensinar o desenho a senhoras da high-society. Aí viveu confortavelmente e nunca mais fez ondas. Enquanto isso, grande parte da sua obra pictórica (285 obras foram colocadas no índex da “arte degenerada”), foi sendo destruída pelos nazis em alegres e pitorescos autos-da-fé. Em 1959 regressou por fim a Berlim, embebedou-se, caiu de umas escadas, sufocou e morreu. Dizem que de ataque cardíaco.

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2 comentários:

cid simoes disse...

Já há um comprador para o livro que o Fernando Campos irá editar com as caricaturas dos dirigentes deste lameiro.

Fernando Campos disse...

Muito me honra, caro Cid.
Mas receio bem que na nossa ditosa pátria não haja "mercado" (nem editor) para um álbum dessa natureza (infelizmente não tenho possibilidades de fazer uma edição de autor).
Em todo o caso se tal coisa um dia for possível não terá que a comprar pois terei todo o gosto em lhe oferecer um exemplar, com uma dedicatória muito especial.
Um grande abraço.