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quarta-feira, 30 de abril de 2008

o oráculo de ficaria

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Há homens que merecem a posteridade.
Não pelo que fazem. Ou acontecem.
Apenas pelo que dizem.
Porque o dizem com aquela presciência cândida que é prerrogativa apenas da transcendência das revelações insofismáveis.


E tudo numa simples frase.
Certeira.
Assassina (malgré lui).
Lapidar (literalmente).
Falando na Assembleia Geral da Associação Naval 1º de Maio e referindo-se ao clube e à Figueira da foz, soltou esta pérola, digna do mais naïf dos demiurgos:

“Um clube reflecte sempre aquilo que uma cidade é.”
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A caricatura que ilustra este postal não é inédita (fui pescá-la ao meu baú).
Foi publicada no jornal Alinha do Oeste, durante a campanha eleitoral para as eleições autárquicas de 1997, que Carlos Beja disputou e perdeu com Santana Lopes.
Tem um lugar de destaque na galeria dos notáveis do meu Álbum Figueirense.
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terça-feira, 29 de abril de 2008

A vedeta do circo


Eis o grande domesticador da classe operária.
Ele faz corar Bagão Felix.
Ao pé das suas alterações ao Código do Trabalho, as veleidades de Bagão parecem ingenuidades de menina.
Ele personifica a sale besogne que a esquerda moderna chamou a si: O aggiornamento das leis do trabalho ao estreito anel de regras do sacro-império do capitalismo global.
No actual circo da política e entre os opinion makers dos jornais de referência, os partidos da direita fazem agora o papel de palhaços pobres. Fazem rir.
Compreende-se a situação da Direita tradicional, que vive agora um estertor patético: trata-se de uma verdadeira crise-de-fé.
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sábado, 26 de abril de 2008

Camilo



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Esta caricatura, sugerida pela leitura, aqui, deste naco de prosa que não resisti a recuperar e que, além de ser um belo e irónico exemplo de “teoria do romance”, chega para provar o quanto este senhor dominava a praxis literária e a Língua Portuguesa.
Pelos exemplos de acentuação, divisão silábica e ortografia, seria interessante poder ler a camiliana opinião (decerto profusamente ilustrada de saborosos e imprevistos adjectivos) sobre as regras ortográficas que posteriormente impuseram à sua Língua (e nas quais todos nós fomos educados) …
Façam favor:

“Em quanto á influencia do romance nos costumes, estou mais que muito desconfiado de que o romance não morigera nem desmoralisa.Porém, admitida a ponderação que lhe alvidram os exhortadores dos pais de família, não sei decidir como se ha de escrever o romance fautor da sã moral. São dois os expedientes: levar os personagens viciosos ao despenhadeiro; ou crear anjos n’ um paraíso sem serpente.Na primeira espécie, mostra se a lucta de virtude e crime: natural e concludentemente triumpha a virtude. E’ o costume com sacrifício, ás vezes, da verosimilhança.Na segunda forma de romancear, a virtude recebe as ovações sem batalha. O romancista põe peito á reformação das obras de Deus, e corrige-as. Quando os seus personagens se avisinham de algum sujo aguaçal, em que é uso a gente commun salpicar as botas, atam lhes as asas de serafins, e largam-lhe trella por esse azul dos céus dentro, até lhes vir a geito poisal-os em alegretes de flores.São estes os romances que moralisam, ou os outros? E’ a minha dúvida”
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quarta-feira, 23 de abril de 2008

a desejada



Eis a desejada pelo centrodireita.
A grande Mãe da obsessão pelo défice.
O gosto ponderado pelo “rigor” e por soluções radicais.
Nada melhor que esta senhora para proporcionar à direita, e ao debate político, um certa seriedade. Enfim, aquele apport de virilidade que há algum tempo lhe faltava.
O retrato saiu um pouco abosquejado mas dá-lhe um ar furtivo, soturno e enviesado que eu acho que o personagem tem.
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segunda-feira, 21 de abril de 2008

Goya



No ano em que Portugal comemora os duzentos anos, reparem bem, da fuga da família Real para o Brasil(!), a Espanha comemora os duzentos anos da recuperação da sua independência (contra a França ocupante).
puta madre, como vedes, a praxis marca a diferença, o critério e o estilo e também define a estirpe.
Acontece a quem tem referenciais de Génio e de verdadeira Grandeza.
E a quem os não tem.
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No passado dia 15, os reis abriram as comemorações inaugurando, no Museu do Prado, a mostra “Goya en tiempos de guerra”, uma grande exposição de 200 obras de Francisco de Goya, executadas entre 1794 e 1819. "No es una exposición para pasar un buen rato, es una revisión sobre la violencia y su actualidad"
A visão de Goya sobre a guerra já dominava uma outra mostra inaugurada em Fevereiro na Biblioteca Nacional de Espanha.

Mas o melhor mesmo das comemorações é a edição, num único volume, de toda a obra gráfica do grande aragonês. Os disparates, os Caprichos, a Tauromaquia, os Desastres da Guerra, os Prisioneiros e alguns inéditos.
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É a vida, coño! Há os que comemoram um rei que fugiu(!!).
Há outros que comemoram um plebeu que ficou e mostrou como foi.
Sem heróis, nem anjinhos nem baboseiras.

Está bom de ver que, depois da guerra e do regresso do rei e da inquisição, chegou a vez do artista fugir.

Morreu exilado em Bordéus, em 1828.
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quinta-feira, 17 de abril de 2008

O pernas

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Mais um apontamento para o meu album figueirense.
Decididamente, o homem de quem se fala.
A excelência do homo politicus figueirensis de Lineu, no seu esplendor!
Mais do que por convicções, move-se por sensações. A sensação acontece-lhe sempre associada a uma certa conveniência, por sua vez associada a uma determinada circunstância.
Têm sido estas sensações, conveniências e circunstâncias as responsáveis, entre outras coisas, pela oscilação ideológica que o tem feito defender várias cores do espectro partidário ao longo dos anos (trata-se de um dos mais antigos políticos locais no activo).
Agora, por exemplo, julga-se que estará experimentando outro desses curiosos fenómenos de sensacionismo.
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terça-feira, 15 de abril de 2008

Berlusconi





A Itália virou à direita.
Mas eu gosto da Itália.

Não é um país qualquer, a Itália.
É um país civilizado, eu diria até sofisticado.

É a pátria de Petrarca, de Giorgione, de Leonardo, de Rafael, de Dante, de Galileu, de Verdi, de Fellini, da Ferrari, da Bellucci...
Claro que também dos Bórgia, dos Sforza, de Mussolini.

É isso, a Itália tem dias.
De vez em quando dá-lhe para isto.
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segunda-feira, 14 de abril de 2008

a mão do pintor



Aqui há tempos, no âmbito do Plano Nacional para a Leitura (creio que é assim que se chama), a associação de pais da Escola Pintor Mário Augusto, das Alhadas, organizou uma noite pela leitura e pediu-me uma "colaboração". Assim, lá pintei uns quatro metros e meio de papel para um cenário alusivo e combinei que lá estaria para executar uma pintura ao vivo para “abrilhantar” o acontecimento.
Ocorreu-me pintar um retrato do patrono da escola, o pintor Mário Augusto, dado que a iconografia relativa ao artista é tão escassa que para as actuais gerações não passa, infelizmente, apenas de um nome.
Mas na noite aprazada a minha filha adoeceu e não pude comparecer, cumprindo o prometido. O quadro lá esteve, apenas esboçado, em exposição, e retornou ao meu atelier, onde ainda se encontra, a vestir-se.
Porém, num retrato de um pintor, para além do óbvio e merecido coup de chapeau, o verdadeiro assunto é, sempre, a pintura.
O motivo, apenas um pretexto.
É o que vos pretendo mostrar. Quando estiver pronto.
Para já, tomai lá um estudo da sua mão.
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sábado, 12 de abril de 2008

Latuff, o traço-bomba



Decerto pelos méritos selectivos da nossa imprensa “de referência”, eis algo que eu desconhecia: o caso de Carlos Latuff, um cartunista brasileiro que tem uma curiosa opinião sobre esses “jornalões”, como ele diz, e a auto-proclamada liberdade de imprensa.

Vejam aqui alguns exemplos do trabalho de Latuff.

A arte de Latuff não deixa dúvidas. É indignada e não indicada para estômagos sensíveis e grupos não conformados com a livre expressão. Pode estar nas trincheiras do movimento Chiapas, contra o império americano, nas passeatas dos movimentos antiglobalização da Europa, ou junto à resistência nos territórios ocupados da Cisjordânia, que visitou e reafirmou suas armas pela luta de libertação.

Tem sido ameaçado por entidades ligadas à extrema-direita israelita e “monitorado” pelos serviços de informação americanos.

Sobre a internet, Latuff tem uma curiosa opinião: “Uma Ferrari. Pode-se percorrer grandes distâncias num curto espaço de tempo nela, ou somente usá-la como varal pra pendurar cuecas molhadas. A Internet é o que você faz dela. Melhor aproveitar enquanto ela é ainda livre...”

Foi o que fiz. E conheci Carlos Latuff. Um prazer.
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quinta-feira, 10 de abril de 2008

vida de artista

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A vida de um artista também pode ter disto.


Inaugura hoje no CNBDI (Centro Nacional de Banda desenhada e Imagem) uma exposição de homenagem a João Abel Manta, um dos mais extraordinários artistas gráficos deste país.
A ilustração deste postal é um desenho de JAM, de 1954, sacado daqui.

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quarta-feira, 9 de abril de 2008

O brasil da língua


Confesso que me deixa perplexo todo o alarido e a histeria que se levantaram com o facto de “nos quererem roubar a língua”!! Basta ver a caixa de comentários desta notícia do Público para nos darmos conta de como a língua está “em brasa” e do nível do vernáculo e elevação de fundamentos de alguns dos que discordam do acordo ortográfico. Estala o verniz e logo afloram o preconceito, a suposta (e presumida) superioridade eurocêntrica e a verborreia nacionalista, patriótica e linguareira, enfim, a palermice.
Reconheço que, não sendo muito chegado a consoantes mudas ou não-articuladas, não lamentarei por aí além a sua supressão. Sou dos que acham que apenas o útil é belo.
O que me preocupa, e mesmo irrita, e cada vez mais, é a surdez progressiva da língua falada, ou seja, a supressão das vogais abertas na linguagem que se fala em Portugal. Isto é, os tugas cada vez mais “engolem” ou “fecham” as vogais quando falam. Dizem, por exemplo: “Em Prtgal, a cmida ê ‘ma mêrda.” Traduzindo (para os meus leitores do Brasil): “Em Portugal, a comida é uma merda”.
Eu, que já vou ficando um pouco duro de ouvido, temo que ainda venha a necessitar de legendas para entender um noticiário, ou um filme português…

terça-feira, 8 de abril de 2008

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Mugabe

Parece que o pesadelo do Zimbabwe está perto do fim.
Espero que, como quase sempre, não acabe tudo num banho de sangue.
Um pertinente e arguto comentário aos dias que correm é o de Bandeira.
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terça-feira, 1 de abril de 2008

Fellini

“Fellini é dos poucos que fizeram do cinema arte moderna.
O único cuja obra imensa pode ser posta no mesmo plano de Picasso e de Stravinski.
Seus filmes lançam um olhar magicamente imaginativo e ao mesmo tempo terrivelmente lúcido sobre o mundo moderno, sobre sua grotesca sexualidade, o seu embrutecimento, o seu exibicionismo.”
Milan Kundera




(Federico Fellini, desenho)

Está patente por estes dias e até Maio, no Espaço 39 Degraus da Cinemateca de Lisboa, uma exposição de 50 desenhos, caricaturas e um auto-retrato de Federico Fellini, feitos entre 1954 e 1993, e actualmente parte da colecção da Fundação Fellini.

A obra gráfica de Fellini é pouco conhecida, embora o jovem Federico tenha começado a sua carreira pelo desenho, pela ilustração e pela caricatura. O grotesco corrosivo e exagerado deste meio de expressão terá sem dúvida crismado para sempre o espírito do futuro director de cinema. O desenho foi sempre para Federico Fellini um instrumento primordial no trabalho de exploração e construção do seu universo intensamente imaginado.

Fellini dizia que “nada se sabe, tudo se imagina”. Por isso os seus filmes começavam no papel. Desenhados.
Amarcord, por exemplo, é uma das mais espampanantes ilustrações da tese segundo a qual a caricatura é a essência da arte do século vinte.
E eu não me recordo de quantas vezes eu já vi esse filme mágico, desmesurado, nostálgico, burlesco, subversivo, sem história, sem princípio, nem meio, nem fim, nem bons, nem maus; esse caleidoscópio aleatório de personagens grotescos e desmedidos como o tio louco, a freira anã, o acordeonista cego, o padre sonhador, Volpina, a prostituta ninfomaníaca, Gradisca e os desmedidos atributos da vendedora de tabaco ou a festa da chegada da Primavera e uma neblina branca que tudo cobre como um manto de humor doce, corrosivo e melancólico.
Tampouco me recordo de outro filme que me tenha deixado impressão visual tão duradoura.
Do que me recordo é da sua atmosfera, criada por outro italiano inspirado: Nino Rota.

Ouçam.
Recordam-se?
E se puderem, vão à Cinemateca ver os bonecos do Fellini.